venerdì 15 marzo 2019

LEONOR ANTUNES VAI REPRESENTAR PORTUGAL NA BIENAL DE VENEZA

Leonor Antunes: "Se fosse um governo do PSD ou do CDS não aceitaria" representar Portugal

"Temos um Governo fantástico", diz Leonor Antunes, a artista que vai representar Portugal na Bienal de Veneza, em maio.


Leonor Antunes
Quando foi desafiada pelo curador João Ribas a apresentar um projeto para a participação portuguesa na Bienal de Veneza, a artista Leonor Antunes questionou-se muito sobre o que seria isso de representar um país: "É triste ver como alguns países estão a tornar-se regimes fascistas. Portugal vive uma situação fora do normal, temos um Governo fantástico e queria saudar isso. Se tivéssemos um Governo extremista nunca teria aceite", afirmou a artista na apresentação pública do seu projeto, esta quarta-feira em Lisboa, deixando ainda mais claro: "Se fosse um governo do PSD ou do CDS não aceitaria, porque esses partidos defendem valores em que eu não acredito. Eu defendo os valores da esquerda. Eu estou a representar o meu trabalho, a mim própria, mas também represento Portugal, e defendo o Governo que existe no país."
A verdade, esclareceu, é que não é só a artista Leonor Antunes que representa Portugal, é também o país que a representa a ela, por isso, na sua opinião, é indispensável que haja um alinhamento ideológico.
Esta foi a primeira vez que a representação portuguesa na Bienal de Veneza foi decidida por concurso, um facto sublinhado pela ministra da Cultura, Graça Fonseca, e pelo novo diretor-geral das Artes, Américo Rodrigues, que apareceu no seu primeiro ato público. Embora haja ainda pormenores a serem afinados, este será o modelo a seguir em futuras representações, garantiram os responsáveis.
Leonor Antunes, artista de 46 anos radicada em Berlim desde 2004, irá, portanto, representar Portugal na 58ª Bienal de Arte de Veneza, que se realiza entre 11 de maio e 24 de novembro naquela cidade italiana, com curadoria do britânico Ralph Rugoff, diretor da Hayward Gallery, em Londres, e tem como tema "Tempos Interessantes". O Pavilhão de Portugal será instalado no Palazzo Giustinian Lolan, datado do século XVII e atualmente propriedade da Fondazione Ugo e Olga Levi. Será aí que Antunes irá expor A seam, a surface, a hinge or a knot (que se poderá traduzir como "Uma costura, uma cicatriz, uma dobradiça ou um nó") - o título é uma citação da historiadora Briony Fer.
Leonor Antunes ressalvou, no entanto, que não vê a sua participação na Bienal de Veneza como representante portuguesa como um momento de consagração nem antevê que lhe traga mudanças no seu percurso como artista, uma vez que vive "um bom momento" na sua carreira: "As pessoas irão a Veneza ver a exposição da Leonor Antunes e não o Pavilhão de Portugal, as pessoas vão ver os artistas que estão lá". Além disso, sublinhou que o projeto não é nacionalista, mas internacional: "Não me vejo como uma artista portuguesa. Sou uma artista que, por acaso, nasceu aqui [em Portugal], mas o nosso público é internacional".



Um palácio para Leonor Antunes

O Palazzo Giustinian Lolin "é um espaço muito difícil, não é muito propício a uma exposição de arte contemporânea", queixou-se a artista, cujo trabalho é geralmente site specific, ou seja, pensado em função do espaço e em colaboração com este. Antes de lá colocar as suas esculturas, Antunes vai "retirar" todas as marcas da decoração, ocultando as pinturas que existem nas paredes, retirando cortinas, desinstalando radiadores, candelabros e outros candeeiros que lá existam. "Decidi abrir as janelas e deixar que a luz natural varresse as salas, isso é muito importante para mim e, além disso, permite uma relação com a cidade de Veneza", explicou.
 
                               Palazzo Giustinian Lolin

Outra dificuldade é que, sendo um palácio, não poderá perfurar paredes nem tetos e terá de haver um cuidado extremo para não deixar marcas no espaço. "O meu trabalho costuma ter um sentido de verticalidade e gosto de suspender peças no teto, mas neste espaço eu não posso fazer isso", disse. Teve, portanto, que encontrar alternativas para instalar os elementos verticais da sua obra.
Das várias salas do palácio, Leonor Antunes vai ocupar apenas três no piso nobre e um "androne" (entrada) no piso inferior: "Pareceu-me interessante porque é um espaço semi-privado", que dá acesso à fundação e ao hotel que ali funciona, pelo que será também uma maneira de pôr os vários visitantes em contacto com a obra da artista e, quem sabe, despertar-lhe a curiosidade para visitarem o resto da exposição.

Veneza: moderna e antiga

Esta exposição, explica o curador João Ribas, "reflete a pesquisa de Antunes sobre o trabalho de figuras importantes no contexto da arquitetura da cidade de Veneza, como Carlo Scarpa, Franco Albini e Franca Helg e, mais recentemente, os legados de Savina Masieri e Egle Trincanato, que foram particularmente ativas na Veneza do Pós-guerra". E acrescenta: "Tanto Savina, como Trincanato tiveram um papel fundamental na formação de uma aceção de Veneza como cidade "moderna", através de desenhos de exposições, arquitetura e trabalho histórico. Antunes está interessada em como as tradições artesanais de várias culturas se cruzam dentro dessa história de género."
Leonor Antunes explicou que para se perceber este projeto que vai à Veneza é preciso recordar o trabalho que ela tem vindo a fazer nos últimos dois anos, nomeadamente as exposições que apresentou em Veneza e depois em Milão, quando começou a pesquisar por um lado sobre os arquitetos modernos italianos e, por outro, fazendo uma recuperação do artesanato e do "saber fazer" que ainda resiste em várias oficinas antigas.
As obras em escultura que vai apresentar (como por exemplo candeeiros) são inspiradas nas obras dos arquitetos italianos e estão a ser feitas em oficinas de carpintaria, em metal, cabedal e vidro, em Veneza, Berlim e Lisboa. No "androne", o piso estará coberto de cortiça (numa parceria com a Amorim) que terá gravados desenhos de Carlo Scarpa. O espaço receberá ainda dois candeeiros concebidos por Egle Trincanato para o Istituto Nazionale per L'Assicurazione Contro gli Infortuni sul Lavoro (INAIL) em Veneza, e que foram emprestados à artista para este projeto.

Combater a invisibilidade das mulheres na arte

A representação oficial portuguesa em Veneza tem, este ano, um custo de 500 mil euros, cerca de 200 mil pagos pelo Ministério da Cultura e, o restante, precisou Leonor Antunes, provenientes de mecenas e patrocinadores que se juntaram ao projeto através das galerias de arte com as quais trabalha. "As minhas galerias trabalharam muito para conseguir estes apoios e sem eles não teria sido possível", deixou claro. "O meu trabalho é muito caro", disse, referindo-se a toda a preparação que foi necessária fazer no palácio e depois ao trabalho artesanal que esta obra implica.
Leonor Antunes trabalha e vive em Berlim para onde foi em 2004 com uma bolsa da Fundação Gulbenkian e onde decidiu ficar porque percebeu que não conseguiria viver como artista em Portugal: "Naquela altura a cidade de Lisboa era muito diferente, os galeristas internacionais não vinham cá e não havia galerias com que eu me identificasse. Era muito difícil, particularmente para uma mulher artista."

O curador João Ribas, a artista Leonor Antunes, a ministra da Cultura Graça Fonseca e o diretor-geral das Artes Américo Rodrigues
Na sua intervenção, a ministra da Cultura sublinhou que nos últimos 20 anos, em dez bienais, esta é apenas a quarta artista a representar Portugal em Veneza: para além de Leonor Antunes, as outras mulheres foram Helena Almeida, Ângela Ferreira e Joana Vasconcelos. Se recuarmos até ao 25 de abril de 1974 encontramos apenas mais duas mulheres: Ilda David e Ana Hatherly. E se recuarmos até aos anos de 1950 encontramos só Maria Helena Vieira da Silva. "Este é um dado que importa sublinhar, para refletirmos o que sido a visibilidade e a invisibilidade das mulheres na arte portuguesa".

O ministério de Graça Fonseca está a preparar medidas para combater essa invisibilidade, em parceria com outras instituições, nomeadamente com o Plano Nacional das Artes : "Temos de resgatar as mulheres artistas não para afirmar o género mas para corrigir as assimetrias artísticas que existem por causa do género".